domingo, 7 de outubro de 2012

Viver melhor: O corpo se regula se a gente deixar

Aprendi uma idéia nova:
auto-regulação.

Sempre soube que o corpo
é um sistema auto-regulável
que expressa suas necessidades
e procura satisfação – se está
desidratado, manifesta sede;
se está cansado, encosta, ou senta,
ou deita; se está com calor
procura a sombra, tira a roupa.

Auto-regulação, portanto, é uma
característica do corpo de buscar
o equilíbrio através de movimentos
muitas vezes imperceptíveis.

Comeu muito açúcar? O corpo tira
cálcio das reservas para neutralizar
a acidez que o açúcar provoca.
Andou de sandália nova?
O corpo faz uma bolha d’água
para proteger o dedo e acumular
material que reponha a pele,
talvez em várias camadas calosas,
se você insistir na sandália.

Até aí, nada de novo.

A grande novidade, para mim,
é pensar que o corpo se auto-regula
também em relação a emoções.

Produzindo lágrimas, por exemplo, quando se sente triste.
Ou rubor nas faces ao se perceber alvo de uma atenção
especial. Suando fedido apesar do desodorante, se a
situação é de ansiedade e há muita adrenalina circulando.
Isso quer dizer que a emoção encontra uma forma concreta
de expressão que ao mesmo tempo é uma descarga, uma
forma de liberar a tensão que aquela emoção provoca.

E é nesse ponto que a coisa começa a ficar mais
interessante. Veja só: alguém que está auto-regulado
usufrui de um estado de prazer, satisfação, integração
consigo mesmo e com o meio ambiente. O corpo
digeriu emoções e alimentos e voltou ao estado de
equilíbrio, que vai durar até que algo aconteça –
do lado de fora, como um repentino vento frio, ou
do lado de dentro, como a vontade de ir ao banheiro.

Mas vamos supor que não seja possível sair do vento,
não seja possível ir ao banheiro. O corpo vai reagir
como? Criando mecanismos de contenção para lidar
com a impossibilidade: contrai a musculatura, respira
menos. Com isso o fluxo de energia corporal fica mais
lento, ou mesmo bloqueado. Quando for possível
encontrar abrigo e alívio, o corpo também vai poder
relaxar e recuperar seu estado de prazer.

A grande encrenca acontece se a auto-regulação não se der.
Por exemplo, uma criança fica triste e chora. Mas de tanto
ouvir a mãe dizer para não chorar, cria uma retenção,
bloqueia o choro, e com isso o corpo não pode se autoregular.
Há um engarrafamento de energia ali, a respiração
piora, os músculos se ressentem, os fluidos não circulam
livremente. A emoção já passou há muito tempo
e a retenção continua.

– De tanto não fazer o que precisaria para atender
a um processo de auto-regulação, o organismo
deixa de ser saudável, se torna neurótico,
diz Julia Andrade, terapeuta que trabalha
com a linha biodinâmica, estetoscópio
em punho. O que ela escuta com ele:
o movimento dos fluidos na barriga.

– É o psicoperistaltismo, explica. – O sinal de que
o organismo é saudável se identifica através de sons
na área baixa do abdômen, como os de um rio passando.
Essa fluência indica que o corpo está sendo capaz de
regular e dissolver produtos de pressão e tensão emocional.

É uma segunda função do intestino:
além de processar os alimentos,
separando o que vai para o sangue
do que vai para fora, ele também
“digere” as emoções.

Julia observa que na nossa cultura se valoriza muito o fazer,
trabalhar, produzir: uma pessoa acha que está bem quando
tem muitas atividades.

– Mas na perspectiva da auto-regulação
se dá importância a chegar em casa,
relaxar, saborear a experiência do dia,
dar um tempo entre uma situação e outra.
Antes de começar uma nova atividade, ter certeza de que
digeriu a anterior. Perceber quando é preciso descansar.
Escolher o que dá mais prazer em vez do que os outros
acham que é bom. E sentir confiança nos processos
corporais de descarga, como chorar, desabafar, gritar,
bocejar, rir, soltar gases, gemer, cochilar, enfim: tudo o que
pode trazer de volta a respiração calma, a fluidez dos
líquidos do corpo, o prazer.

Fundamental, diz Julia, é não ficar acumulando raiva,
frustração ou qualquer outra emoção difícil, nem fazer de
conta que não sentiu: pode até segurar na hora porque a
sociedade e a cultura exigem, mas depois tem que expressar
para dissolver. Seja na massagem, na caminhada, na terapia,
dançando na discoteca, conversando com algum amigo ou
na happy hour antes de voltar para casa. É o momento
para falar, rir da situação, reclamar, falar mal do chefe...

E você, já deu sua auto-reguladinha hoje?

(Crônica do livro Meditando na cozinha, republicada hoje para a leitora Elis Melo em nome de todas as mulheres estressadas do mundo)

19 comentários:

  1. Sim sim, eu sei que ideia não tem mais acento e auto-regulação agora é com dois rr, mas acho tão mais clara a ideia com o hífen...

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  2. Olá, Sônia! Gostaria de saber se tem como entrar em contato com você por e-mail. Desconfio que estou com candidíase e ainda estou meio perdida e um pouco apavorada depois que li que ela pode ser fatal caso o fungo entre em contato com a corrente sanguínea. Já encomendei o seu livro sobre a candidíase e estou aguardadando ansiosamente a chegada!
    Abraços, Raquel.

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  3. É muito interessante essa idéia da auto-regulação, e fica mais bonita quando a enxergamos como parte da manutenção da vida, e não só do corpo, do físico, da carne... Gostei! Abraços

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  4. Adorei, Sonia: Pura sabedoria!!
    Desde que cheguei de férias, há 2 meses, fiquei menstruada 4 vezes, cada período por 2 ou três dias. Todo mundo me fala que eu tenho que ver isso, tenho que fazer um exame, ir no médico, mas, pela primeira vez na vida no que diz respeito a esse tipo de coisa, resolvi seguir minha intuição e deixar rolar...sair, enfim, mesmo porque, estou me sentindo ótima. Fico pensando exatamente isso que você diz no texto, que é uma descarga de alguma coisa que meu corpo precisa expulsar. Voltei de viagem apaixonada e feliz, depois de ter passado um período anterior muito difícil; cismei que tem a ver com essa condição...HAHAHHA

    Bjos. Denise.

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  5. Gatos se auto-regulam ronronando =ˆˆ=

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  6. Oba, Julia Andrade, bem-vinda!

    Cabe boi, cabe boiada... ;-)

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  7. Adorei... lido com isso com relação aos meus três filhos pequenos quando têm febre. As avós ficam desesperadas para eu dar antitérmico e eu falo: "mas a febre é fisiológica e está mandando o corpo ficar quietinho, fechado pra balanço. Se eu der o antitérmico a criança vai se sentir 'falso' boa e sair pinotando por aí, quando deveria estar se recuperando, se aquecendo, fortalecendo o imunológico e vencendo a 'ameaça'". Não é fácil aguentar a pressão, mas nem termômetro a gente tem em casa...
    A questão de 'se regular' me lembrou a noção de 'expormos' nossa sombra para que ela seja 'tratada'. Escondemos nossas emoções ruins por medo de não sermos amados, se estarmos 'pecando' etc, e o resultado isto tudo acaba na farmácia! Os laboratórios de alopáticos agradecem!!!

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  8. Concordo plenamente com você, Cariny! Se todos tivessem um pouco mais de bom senso as coisas não estariam como estão. Febres e sombras fazem parte, têm que ser vistas. Um abração!

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  9. Ah, adorei!! Sabedoria pura, como alguém comentou lá em cima :)

    Mas Sonia querida, vim aqui pq me assustei ao ver a composição do shoyu Daimaru - tem milho lá! =O será que já tinha e eu que nunca percebi? Ando meio revoltada, a gente tá ficando sem opção e sem escolha quanto ao consumo de trensgênicos, heim? :(

    Bjocas!

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  10. Oi, Edith, é comum o shoyu e o missô serem feitos com soja e algum cereal. Mas a soja do Daimaru é orgânica? Hahaha!

    No Sul tem misso e shoyu orgânicos da Familia Hattori. E em SP os do Professor Kikuchi, no restaurante Satori.

    Não tenho dúvida de que o segmento dos orgânicos vai colocar mais produtos no mercado. Interessa também aos grandes porque dá dinheiro, já que é tudo mais caro. Claro. Um abraço!

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  11. Oi Sonia!

    Pois é, eu nem tava contando de ser orgânica, mas pelo menos não transgênica...mas com milho no meio, decepcionei de vez pq nem cuzcuz tá dando pra comer sem transgenia né :(
    Vou pesquisar esses produtores que vc indicou, e aqui no DF tem produtor de tofu não transgênico, vou procurar pra saber se eles tb produzem missô e shoyu.

    Muito grata sempre querida!
    Bjs em penca!! :)

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  12. Se encontrar, Edith, conta pra nós? Em Goiás e Mato Grosso a colônia japonesa é forte. Um abraço!

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  13. Sônia, adoro seu blog, conheço sua obra desde que eu tinha 11 anos e sempre dou minhas espiadinhas por aqui, mas nunca me manifestei. Você já viu o livro "O Despertar do Tigre"? É sobre como o corpo reage a um trauma. O livro é muito interessante e mostra que muitas vezes, quando não conseguimos reagir adequadamente a um trauma, fugindo ou lutando como fazem os animais selvagens, ficamos paralisados e esse "torpor" pode criar uma "impressão" emocional e corporal também (a gente sabe que corpo e emoção andam lado a lado, né?)A abordagem se chama Somatic Experiencing, e explica que se ficamos com essa resposta ao trauma incompleta, isso impede a nossa capacidade de auto-regulação emocional/corporal. É bem interessante e, eu achei pelo menos :), que tem a ver com isso que vc está falando. Beijo grande!

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  14. Olá Sônia. Gostei de ter encontrado esse texto, pois me identifico muito. Já perdi as contas de quantos sintomas esquisitos, desconfortáveis e constrangedores eu já tive e ainda tenho. Não sei mais o que fazer, me deixa muito triste não ter como controlar isso. Só queria que inventassem um remédio que fizesse parar tudo e eu pudesse voltar a ser a pessoa tranquila e saudável que eu era antes... Espero que um dia eu volte! Beijos

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  15. Sôni9a, obrigada por este texto, ajudou muitíssimo.
    Que Deus te abençoe e retribua tudo que vc faz pela gente.
    Beijão

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  16. Muito bom o texto, adorei! Que interessante o comentário da Denise. Comigo aconteceu algo parecido, mas por motivo oposto: uma situação de muita pressão e decepção. Minha menstruação, que sempre foi certinha e regulada, veio três vezes em um mês. Perguntei ao meu homeopata o porquê, e ele disse algo parecido, era meu corpo tentando se ajustar ao acontecimento.

    Sonia, sobre sua resposta à Edith, a colônia japonesa é forte em Mato Grosso do Sul, não em Mato Grosso, hehe. :-D

    Recebo todos os comentários pelo feed, e de uns tempos pra cá notei que está chegando uma quantidade enorme de spam, atrapalhando até a ler os comentários válidos. Não há algo que possa ser feito? :-\

    Adorei saber que os gatos se auto-regulam ronronando.

    Abraços.

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  17. Oi, Jussara, obrigada pelo esclarecimento sobre a colônia japonesa ser mais forte em Mato Grosso do Sul. Ainda sou do tempo em que era um estado só e não sabia do detalhe.

    Sobre os spams, são infernais mesmo. Teve um momento em que resolvi restringir os comentários às pessoas registradas, mas achava antipático e acabei tirando. Vou botar um tirateima. Abração!

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