segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Almanaque do banheiro: Papo de vagina


Uma leitora escreveu dizendo que tem cistos sebáceos vaginais, e eu, que nunca tinha ouvido falar nisso, fui pesquisar no livro Women's bodies women's wisdom, da Christiane Northrup, MD. Não achei os cistos mas me deparei com esta pérola:

"A cultura ocidental considera a área genital 'suja' e a polui com essa atitude. Toda função associada a essa área - parto, sangramento e eliminações - é altamente carregada, emocional e psicologicamente. (...) Desde cedo capturamos a ideia de que essa região é diferente das outras do corpo: tabu, suja, desprezível. (...) Um jovem médico, a uma paciente que se tratava de infecção por fungos, disse: A vagina da mulher é uma lixeira.

"A promoção e a venda de desodorantes íntimos, inclusive em tampões e absorventes, dão à mulher a impressão de que a vagina em estado natural é inaceitável, de que precisa ser desinfetada e desodorizada.

"A mucosa vaginal e cervical saudável oferece à mulher proteção contra as doenças sexualmente transmitidas, inclusive aids; por isso é tão importante mantê-la sadia. O primeiro passo que uma mulher deve dar é atualizar o que pensa sobre essa área do corpo."

O momento de menor imunidade da mucosa vaginal é durante e em torno da menstruação, diz ela; daí ser comum surgirem infecções vaginais nesse período. Sem falar vulnerabilidade da mucosa quando há muito sexo, já que o movimento geralmente faz pequenas lacerações na vagina, na vulva e no clitóris; se houver sêmen, o pH vai ficar mais alcalino por 8 horas, tempo suficiente para que pululem os micróbios geralmente inibidos pela acidez peculiar à vagina; se houver penetração anal e depois vaginal, a contaminação é quase certa; se houver sexo oral, restinhos de bacalhau, café e mousse de chocolate vão deixar bactérias e fungos completamente loucos.

Também é erradíssimo usar o papel higiênico de trás para a frente depois de evacuar - tem que ser de trás para trás. E, ao enxugar xixi, não é para esfregar o papel, basta encostar para que ele absorva o excesso. A vulva, nome da região íntima que inclui entrada da vagina e da uretra, clitóris e pequenos lábios, é uma pessoa sensível. Nem sabonete deve chegar ali: só e somente água, abundante. Viva o bidê! Viva a duchinha ao lado do vaso!

O que se pode fazer nessas situações: ducha higiênica com vinagre - 1 colher sopa em meio litro de água morna, filtrada ou fervida, para normalizar o pH da vagina (comprar o aparelho em casa de material hospitalar), e aplicação de óvulos de calêndula ou de hydrastis durante algumas noites, depois da menstruação, para limpar os resíduos de sangue e células do endométrio (farmácia homeopática).

Detalhe: se a mucosa vaginal estiver irritada, melhor usar óvulos do que ducha, para evitar mais atrito. E só usar ducha ou qualquer outra coisa se for realmente necessário. Em situações normais, a vagina é autolimpante.

 Se a vaginite for recorrente, é bom consultar uma médica homeopata para entender melhor o que está acontecendo. Olho vivo: vagina em dia é cor-de-rosa e cheira bem.

ilustração Cristina Tati

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Tem sol? Pois vamos cozinhar com ele!




Sol no céu, comida na panela e pés no chão: Ana Claudia, Mary e Teresa desenvolveram o que há de melhor em matéria de bom, bonito e barato. Tem sol? Pois vamos cozinhar com ele.

Qualquer um faz, basta ter caixas de papelão, papel de alumínio, fita adesiva, tesoura - parece brincadeira de criança, e é brincando e rindo que elas foram desenvolvendo o projeto, criando receitas, ensinando o pessoal dos acampamentos, das roças, da cidade ensolarada. Doces, salgados, secos e molhados: para tudo ele serve. Do cozido à feijoada, do peixe com ervas à moqueca de ostra. Sopa de frutas. Pé-de-moleque. É ver para crer.

Se preparar comida já é um movimento mágico, transformador, cozinhar usando simplesmente a luz do sol é mais mágico ainda. Esse fogão solar marca território na contramão de tudo quanto é mais valorizado pela sociedade de consumo, com sua tecnologia de aço inox e microondas. É o simples e fácil em ação. Não está nada distante dos primeiros processos de cozimento que permitiram ao ser humano aproveitar os grãos duros e as raízes secas. Até então, o sólido se comia e o líquido se bebia. Foi o calor que  juntou os dois para obter uma terceira coisa mais apetitosa. E que prazer nos dá um comida quente!

O calor do sol cozinha mais devagar. As moléculas dos alimentos se mexem menos do que nas altas temperaturas. Os nutrientes ficam mais preservados. Não é preciso ficar mexendo, e tem o seguinte: a comida não queima.

As receitas, testadas e aprovadas, são de dar água na boca. O sotaque nordestino aparece no uso dos temperos e do indispensável leite de coco, refletindo a cultura tradicional de Sergipe, onde se come muito bem.

Não acreditem no que eu estou dizendo. Leiam o livro, experimentem, façam seu fogãozinho. Trata-se sim de economizar lenha, gás e eletricidade. Mas trata-se também de algo mais sutil - de nos reconectarmos às raízes da civilização em pleno século 21, com ótimos resultados. Isso dá prazer e felicidade. E o sol, afinal, é de todos.

O livro pode ser adquirido por R$ 25,00 - frete incluso para qualquer lugar do Brasil. Informações pelo email cozinharcomsol@vital.srv.br .

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Dicionário da mulher - Candidíase, a praga - II


(Este post repete o de 17/3/2009, que está com mais de 200 comentários e ficou difícil de administrar. Aos leitores mais interessados recomendo ir lá e ler as questões e as respostas, bem como os depoimentos de mulheres que fazem a dieta recomendada e estão tendo o primeiro alívio real depois de muitos anos.)

Comecei a pesquisar sobre candidíase ali por 1993, por causa de uma dor debaixo da costela direita que não me deixava {fazer excessos} em paz. Era tomar um vinho, um suco de laranja ou comer amendoins que lá vinha ela. E quando topei com as notícias desse fungo chamado Candida albicans fiquei muito impressionada. Descobri que tinha os sintomas desde a infância (regada a açúcar), sem falar nas inúmeras crises de candidíase vaginal (monília) da adolescência em diante.

Em 1995 publiquei um capítulo sobre candidíase no meu livro Só para mulheres. Alguns anos depois, já instalada na vida online, recebia tantos emails a respeito do assunto que resolvi botar o capítulo no site. Triplicaram os emails. Continuei pesquisando e atualizando a informação online.

Enquanto isso passei a me cuidar com a mesma orientação que está lá. Adotei as cápsulas de lactobacilos acidófilos para sempre, o óleo virgem de coco, a redução de carboidratos. Posso dizer que a candidíase está controlada, bem como a hipoglicemia que costuma vir junto, mas percebo muito claramente que ela apenas manifesta uma tendência do organismo para umidade e calor, como se diz em medicina tradicional chinesa, e tendências são para sempre.

Descobri também que o câncer está quase sempre ligado à presença de fungos, o que piora muito depois da rádio e da quimio, que criam condições ideais para eles; alguns autores defendem que o câncer seria a própria simbiose da célula humana com a do fungo.

O capítulo Candidíase está em www.correcotia.com/mulheres/candidiase.htm .

E a dor debaixo da costela tinha também a ver com amebas, como entendi depois.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Quadrado Mágico: Formando um grupo

Quando escrevi o Mamãe eu quero, em 1984, já estava fascinada pelo sistema oracular chinês e japonês apelidado Quadrado Mágico, e o pouco que sabia coloquei lá. Sete anos depois escrevi o Manual do herói e dediquei o último capítulo do livro aos cálculos e interpretações de personalidade e trânsitos. Quando inaugurei o site, lá por 1997, já havia descoberto mais um número ligado à personalidade e outro em relação a trânsitos; meu amigo Gilberto Salomão fez um programinha muito simples de cálculos para qualquer um poder achar seu mapa; e isso tudo virou mais um momento do Quadrado Mágico na minha vida íntima com os leitores.

Estou de novo chafurdando nessa laminha. Tenho recebido emails pedindo mais, querendo tirar dúvidas, dando vontade de aprofundar. Vi que poderia fazer isso através do blog, de modo a ampliar a discussão, então faço aqui o convite a quem já sabe o suficiente para ter questões ou tecer comentários.

A mim ele tem sido muito útil. É mais ou menos como saber a direção do vento antes de soltar as velas. As "previsões" que faço para os amigos dão certo. Coloquei o termo entre aspas porque, na verdade, não se trata de prever nada, mas de estar em sintonia com o tempo. Como assim? É o que veremos!

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Dicionário da mulher: Dores nos seios

Quando as queixas são de muita dor e sensibilidade nos seios, especialmente no período pré-menstrual, a causa pode estar ligada a leite, laticínios, frangos e ovos. Como todos são produzidos atualmente com promotores de crescimento e quetais, pode haver uma influência sobre o equilíbrio hormonal gerando inflamação, cistos, displasias e coisas piores.

A candidíase também pode produzir esse tipo de desconforto. Olho vivo.

Dicionário da mulher: Cistos nos seios

Alô, stress: muitas mulheres relatam que seus cistos diminuíram ou sumiram depois que pararam de fumar e de tomar café.

Alô, cirurgia: se for extrair um cisto, aplique emplastro de inhame com gengibre durante 15 dias antes da cirurgia. Ele puxa todas as partículas esquisitinhas do seio para perto do cisto. Quando operar, sai tudo junto.

Sintomas suspeitos
secreções saindo dos bicos:
brancas ou esverdeadas podem ser leite fora de hora
esverdeadas ou amareladas podem ser cistos
vermelho-escuras ou pretas contêm sangue, podem indicar um tumor

Sintomas muito suspeitos
caroço no seio ou gânglio inchado nas axilas, doendo ou não
secreção clara ou sanguinolenta nos bicos
bico retraído, meio afundado ou descamando
alteração no contorno de apenas um dos seios, para fora ou para dentro
pele do seio inchada e grossa, parecendo casca de laranja
veias superficiais de um seio mais proeminentes que as do outro

Larva: e se for, como tratar?
Se a larva estiver viva, há como iden­­tificar várias espécies delas através de exames de sangue, caros e demorados. Tomo­gra­fias e ressonâncias magnéticas também podem apresentar alguma coisa. Mas o que vem dando mais resultados é o Omura Test, ou Ring-O-Test, método desenvolvido por um médico japonês, dr. Yoshiaki Omura, que utiliza a cinesiologia aplicada, obtendo respostas do timo através da força muscular.
Difundido no Brasil pelos agentes da Pastoral da Saúde, o método ficou conhecido como Bioenergético ou Bidigital. Muitos acupunturistas o empregam, e os relatos apresentados em vários congressos médicos parecem indicar que esse teste é uma revolução total quanto a diagnósticos: simples, eficiente e barato. Dá pra acreditar?

Uma larva viva pode ser deslocada, do seio ou de qualquer outro lugar, aplicando-se na região duas ou três compressas de argila durante duas horas cada (uma por dia). A argila obriga a larva a fugir para os intestinos, de onde será eliminada com vermífugos apropriados. Uma larva morta já é outro caso – pode ser reabsorvida pelo organismo, pode calcificar, pode virar um antro de bactérias, fungos, vírus e células degeneradas em meio líquido ou sólido. Por isso é que cada vez mais médicos e cientistas estão considerando que combater a verminose é vital na prevenção do câncer.

Auto-exame dos seios: você sabe apalpar?
Como diz a médica Stella Marina, niguém espera que você seja capaz de fazer um diagnóstico preciso sobre algo que descobriu no auto-exame. Mas deve pelo menos conhecer seu próprio corpo – e ser capaz de reconhecer uma coisa que não estava ali no mês passado.

Se a menstruação está perto, espere. O ideal é fazer o auto-exame cinco a sete dias a partir do primeiro sangramento, mas até duas semanas tudo bem. A partir daí é normal aparecerem coisinhas que somem com a menstruação.

Em pé diante do espelho, olhe tudo: tamanho dos seios, cor, marcas novas; olhe de novo com as mãos nas cadeiras e com as mãos na nuca. É completamente normal ter um seio maior que o outro e os bicos apontando em direções diferentes.
No chuveiro, ensaboe os seios. Também pode ser fora dele, com creme hidratante ou óleo de amêndoas.

. Com a mão esquerda atrás da cabeça, examine o seio esquerdo com a mão direita. Mantenha os dedos juntos e apalpe num movimento circular, como se o seio fosse o relógio e sua mão o ponteiro parando de hora em hora; comece no alto e dê a volta, sempre com uma pressãozinha para ver se sente alguma coisa. Voltou? Repita, fazendo um círculo menor, de modo a tocar a área interna, e continue repetindo o círculo até chegar no bico.

. Agora examine a área lateral do corpo, junto ao seio e debaixo do braço, porque ela tem tecidos do mesmo tipo e gânglios que inflamam quando alguma coisa não vai bem. Acabou? Faça tudo de novo com o outro seio, a mão direita pousada na nuca, a mão esquerda examinando o seio direito.

Relaxe na cama para o último exame. Esprema os seios, como se fosse tirar leite deles, para ver se há secreção – ordenhando o seio todo e não só o bico.

. Agora, deitada de costas, ponha um travesseiro debaixo do ombro direito e a mão direita na altura da cabeça; examine o seio direito com a mão esquerda. Depois repita, pondo um travesseiro debaixo do ombro esquerdo e a mão esquerda na altura da cabeça enquanto a direita examina o seio esquerdo. Mas neste exame você já não vai fazer movimentos circulares, e sim uma varredura vertical inventada por Henry Pennypacker para cobrir 50% mais área do que o exame circular.

Para isso você usa a polpa (e não a ponta) dos três dedos médios da mão, que são os mais sensíveis, percorrendo uma trama de linhas verticais que:

. começa pelo lado do corpo, quatro dedos abaixo dos seios, e sobe até as axilas
. desloca-se um centímetro para dentro e desce até quatro dedos abaixo dos seios
. desloca-se um centímetro para dentro e sobe, passando pelo macio ao lado das axilas e continuando até o osso do ombro
. desloca-se um centímetro para dentro e desce, agora já por cima do seio
. desloca-se um centímetro para dentro e sobe... e mais um centímetro e desce...

…e assim por diante, até varrer o seio todo e chegar ao osso central do peito. Aí bota o travesseiro debaixo do outro ombro e faz tudo de novo.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Dicionário da mulher: Compressa de gengibre

Compressa de gengibre

Muito usada para ativar a circulação e ajudar a dissolver depósitos de muco, proteína e gordura no organismo, como pedras de rim e bexiga, cistos de seio e ovário e fibroma uterino. Também serve para asma, bronquite, reumatismo, artrite, tensão muscular, torcicolo, dores nevrálgicas, dor nas costas, dor de dente, cólica menstrual ou intestinal, inflamação de rins, fígado, intestino, bexiga, próstata, ovários, recuperação de tecidos ósseos.

A aplicação da compressa dura meia hora. A freqüência das aplicações e a duração do tratamento vão depender de quem estiver orientando você. Para cólicas, uma ou duas compressas bastam, mas para cistos é preciso persistir por semanas ou meses, aplicando um emplastro de inhame depois de cada compressa.

Não use a compressa de gengibre em bebês e idosos, nem na barriga das grávidas; na cabeça, nunca, a não ser juntinho do nariz em caso de sinusite; nem para apendicite e pneumonia, nem quando há febre.

Pode ser aplicada sobre tumores, cancerosos ou não, mas nunca por mais de 5 minutos.


Modo de fazer


Numa panela grande, ponha 3 litros de água para ferver; enquanto isso rale 200 g de gengibre, com casca e tudo, na parte mais fina do ralador, com movimentos circulares. Quanto mais maduro, cascudo e fibroso o gengibre, melhor. Embrulhe num paninho de fralda.

Quando a água estiver quase fervendo apague o fogo, ponha a trouxinha de gengibre dentro, tampe e deixe descansar uns 15 minutos. A trouxinha evita que os farelinhos de gengibre grudem e irritem a sua pele.

Pegue duas toalhas de banho pequenas, dobre ao meio e torne a dobrar em diagonal. Mergulhe ambas assim na panela, tire uma, torça e aplique sobre o ventre ou sobre os rins, cobrindo logo com um cobertor de lã.

Espere um pouco; quando sentir que começou a esfriar, torça a segunda e coloque sobre a primeira, e dali a pouco tire a primeira, devolvendo à panela para logo depois tirar, torcer e aplicar sobre a outra, e assim sucessivamente durante meia hora, ou até a pele ficar muito vermelha.

Para manter quente o caldo de gengibre você vai precisar de um fogareiro elétrico, braseiro ou réchaud. E como a coisa dá muita mão-de-obra, é sempre melhor fazer em dupla: uma cuida das aplicações enquanto a outra fica no bem-bom, depois inverte. É quente, quase queima, mas é muuuito bom.

Não use nenhum tipo de plástico ou tecido sintético para cobrir a compressa de gengibre ou de qualquer outra coisa: somente algodão.

Literatura: Vargas Llosa em defesa do romance, pinçado da Piauí

"A literatura, (...) diferentemente da ciência e da técnica, é, foi e continuará sendo, enquanto existir, um desses denominadores comuns da experiência humana, graças ao qual os seres vivos se reconhecem e dialogam, independentemente de quão distintas sejam suas ocupações e seus desígnios vitais, as geografias, as circunstâncias em que se encontram e as conjunturas históricas que lhes determinam o horizonte.
...
Nós, leitores de Cervantes ou de Shakespeare, de Dante ou de Tolstoi, nos sentimos membros da mesma espécie porque, nas obras que eles criaram, aprendemos aquilo que partilhamos como seres humanos, o que permanece em todos nós além do amplo leque de diferenças que nos separam. E nada defende melhor os seres vivos contra a estupidez dos preconceitos, do racismo, da xenofobia, das obtusidades localistas, do sectarismo religioso ou político ou dos nacionalismos discriminatórios, do que a comprovação constante que sempre aparece na grande literatura: a igualdade essencial de homens e mulheres em todas as latitudes, e a injustiça representada pelo estabelecimento entre eles de formas de discriminação, sujeição ou exploração.
...
Nada, mais que bons romances, ensina a ver nas diferenças étnicas e culturais a riqueza do patrimônio humano, e a valorizá-las como uma manifestação de sua múltipla criatividade. Ler boa literatura é divertir-se, com certeza; mas também aprender, dessa maneira direta e intensa que é a da experiência vivida através das obras de ficção, o que somos e como somos em nossa integridade humana, com os nossos atos, os nossos sonhos e os nossos fantasmas, a sós e na urdidura das relações que nos ligam aos outros, em nossa presença pública e no segredo de nossa consciência, essa soma extremamente complexa de verdades contraditórias - como as chamava Isaiah Berlin - de que é feita a condição humana.
...
À diferença do gorjeio dos pássaros ou do espetáculo do sol fundindo-se no horizonte, um poema, um romance não estão pura e simplesmente ali, fabricados por acaso ou pela natureza. São uma criação humana, e é lícito perguntar como e por que nasceram, e o que deram à humanidade para que a literatura, cujas origens remotas se confundem com as da escrita, tenha durado tanto tempo. Nasceram como fantasmas incertos, no íntimo de uma consciência, projetados a ela pelas forças conjugadas do inconsciente, de uma sensibilidade e de algumas emoções, a que, numa luta às vezes implacável com as palavras, o poeta, o narrador, deram forma, corpo, movimento, ritmo, harmonia, vida. Uma vida artificial, feita com a linguagem e a fantasia, que coexiste com a outra, a real, desde tempos imemoriais, e à qual acorrem homens e mulheres porque a vida que têm não lhes basta, não é capaz de oferecer tudo aquilo que gostariam de ter. O romance não começa a existir quando nasce, por obra de um indivíduo; só existe realmente quando é adotado pelos outros e passa a fazer parte da vida social, quando se torna, graças à leitura, experiência partilhada.
...
A literatura não diz nada aos seres humanos satisfeitos com seu destino, de todo contentes com o modo como vivem a vida. A literatura é alimento dos espíritos indóceis e propagadora da inconformidade, um refúgio para quem tem muito ou muito pouco na vida, onde é possível não ser infeliz, não se sentir incompleto, não ser frustrado nas próprias aspirações. Cavalgar junto ao esquálido Rocinante e a seu desregrado cavaleiro pelas terras da Mancha, percorrer os mares em busca da baleia branca com o capitão Ahab, tomar o arsênico com Emma Bovary ou transformar-se em inseto com Gregor Samsa é um modo astuto que inventamos para nos mitigar pelas ofensas e imposições desta vida injusta que nos obriga a sermos sempre os mesmos, enquanto gostaríamos de ser muitos, tantos quantos fossem necessários para satisfazer os desejos incandescentes de que somos possuídos.

Só momentaneamente é que o romance aplaca essa insatisfação vital, mas, nesse intervalo milagroso, nessa suspensão temporária da vida em que a ilusão literária nos imerge - que parece nos arrancar da cronologia e da história e nos converter em cidadãos de uma pátria sem tempo, imortal - somos outros. Mais intensos, mais ricos, mais complexos, mais felizes, mais lúcidos do que na rotina forçada da nossa vida real. Quando, fechado o livro, posta de parte a ficção, voltamos àquela e a comparamos com o território resplandecente que mal acabamos de deixar, espera-nos uma grande desilusão. Isto é, esta grande confirmação: que a vida sonhada do romance é melhor - mais bela e variada, mais compreensível e perfeita - do que a que vivemos quando estamos despertos, uma vida tolhida nos limites e na servidão à nossa condição."

O texto completo é enorme e vale a pena ler, quem sabe mais de uma vez, porque há muitas questões envolvidas. Piauí 37, nas bancas.

Comida & literatura: Virginia Woolf, Um teto todo seu

"(...)O relógio bateu. Era hora de irmos almoçar.

É curioso o fato de que os romancistas têm um jeito de fazer-nos crer que os almoços são invariavelmente memoráveis por algo muito espirituoso que se disse ou muito sábio que se fez. Raramente, porém, desperdiçam uma palavra sequer sobre o que se comeu. Faz parte do consenso dos romancistas não mencionar sopa, salmão e pato, como se sopa, salmão e pato não tivessem importância alguma, como se ninguém jamais tivesse fumado um charuto ou bebido um copo de vinho. Aqui, no entanto, tomarei a liberdade de desafiar esse consenso e de dizer-lhes que o almoço, nessa ocasião, começou com filés de linguado num prato fundo sobre o qual o cozinheiro da universidade espalhara uma cobertura do mais alvo creme, não fossem, aqui e ali, manchas castanhas como as dos flancos de uma corça. Depois disso vieram as perdizes, mas enganam-se se isso lhes sugere um par de aves implumes e escuras num prato. As perdizes, numerosas e variadas, vieram acompanhadas de todo um séquito de molhos e saladas, picantes e doces, cada qual na sua ordem de entrada: batatas, finas como moedas, mas não tão duras; couves-de-bruxelas, folhudas como botões de rosa, porém mais suculentas. E mal havíamos terminado o assado e seu cortejo, o garçom, silencioso, talvez o próprio Bedel numa manifestação mais branda, pôs diante de nós, enrolado em guardanapos, um doce que se erguia em ondas de açúcar. Chamá-lo pudim, aparentando-o assim com o arroz e a tapioca, seria um insulto. Enquanto isso, os copos de vinho tinhamse tingido de amarelo e de vermelho, tinham-se esvaziado, tinham-se enchido. E assim, gradativamente, a meio caminho da espinha dorsal, que é a sede da alma, acendeu-se não aquela luzinha elétrica intensa a que chamamos brilhantismo, que surge de repente e desaparece em nossos lábios, mas o clarão mais profundo, sutil e subterrâneo que é a rica chama dourada do diálogo racional. Nada de pressa. Nada de brilhos. Não sejamos nada mais que nós mesmos. Vamos todos para o céu, e Vandyck é parte do grupo — em outras palavras, como parecia boa a vida, como pareciam doces suas recompensas, como parecia banal este ressentimento ou aquele queixume, como pareciam admiráveis a amizade e a companhia dos semelhantes, quando, acendendo um bom cigarro, a gente se deixava afundar entre as almofadas junto à janela.
...
Ali estava minha sopa. O jantar estava sendo servido no grande refeitório. Longe de ser primavera, era de fato uma noite de outono. Todos estavam reunidos no grande refeitório. O jantar estava pronto. Ali estava a sopa. Era um simples caldo de carne. Nada havia nele que atiçasse a imaginação. Teria sido possível ver através do líquido transparente qualquer desenho que houvesse no próprio prato. Mas não havia desenho algum. O prato era liso. Em seguida veio a carne de vaca com seu acompanhamento de legumes verdes e batatas — uma trindade doméstica, que sugere alcatras de boi em algum mercado lamacento, couves-de-bruxelas murchas e amareladas nas pontas, pechinchas e reduções de preço, e mulheres com sacolas de alças em manhã de segunda-feira. Nenhuma razão havia para reclamar do alimento diário da natureza humana, visto que a quantidade era suficiente e que os mineiros de carvão sem dúvida estariam sentados à mesa para algo menos substancial. Seguiram-se ameixas secas com creme. E, se alguém se queixar de que as ameixas secas, mesmo quando suavizadas pelo creme, são um legume impiedoso (fruta é o que não são), fibrosas como o coração de um avarento e ressumando um líquido semelhante ao que deve correr nas veias dos sovinas que negaram a si mesmos vinho e calor durante oitenta anos, e que ainda não têm boas relações com os pobres, deverá considerar que há pessoas cuja caridade abarca até a ameixa seca. Vieram a seguir biscoitos e queijo, e nesse ponto a jarra de água circulou prodigamente de mão em mão, pois é próprio dos biscoitos serem secos, e esses eram biscoitos até a alma. Isso foi tudo. A refeição estava terminada. Todos arrastaram a cadeira para trás; as portas de vaivém abriram-se violentamente para lá e para cá; logo o refeitório estava esvaziado de qualquer sinal de comida e pronto, sem dúvida, para o café da manhã seguinte. Ao longo de corredores e escadas acima, a juventude da Inglaterra ia batendo portas, cantando. E caberia a uma convidada, uma estranha (pois eu não tinha mais direitos aqui em Femham do que em Trinity ou Somerville ou Girton eu Newnham ou Christchurch), dizer: "O jantar não estava bom", ou dizer (estávamos agora, Mary Seton e eu, em sua sala de estar): "Não poderíamos ter jantado aqui sozinhas?", pois, se eu dissesse qualquer coisa do gênero, estaria bisbilhotando e também me intrometendo na administração secreta de uma casa que, para um estranho, ostenta uma fachada tão distinta de alegria e coragem. Não, não era possível dizer nada parecido. De fato, a conversa esmoreceu por um momento. Sendo a estrutura humana o que é, coração, corpo e cérebro misturados, e não contidos em compartimentos separados, como sem dúvida serão em mais um milhão de anos, um bom jantar é de grande importância para a boa conversa. Não se pode pensar bem, amar bem, dormir bem, quando não se jantou bem. A lâmpada na espinha não acende com carne de vaca e ameixas secas. Todos iremos provavelmente para o céu, e Vandyck, esperamos, virá em nosso encontro na próxima esquina — tal o estado de espírito equívoco e limitado que geram as ameixas secas ao final de um dia de trabalho. Felizmente, minha amiga que ensinava ciências tinha um guarda-louça onde havia uma garrafa atarracada de copinhos (mas deveria ter havido linguado e perdizes, para começar), de modo que conseguimos acomodar-nos junto ao fogo e reparar alguns dos danos causados por aquele dia."

Agradecimentos especiais a Carô Murgel!