quarta-feira, 17 de junho de 2015

Meditando na cozinha

São muitas as formas de meditar,
todas com o mesmo objetivo: pacificar
a mente, que não conhece limites e não
para quieta um instante. Meditação é um
jejum mental, onde se procura não pensar.
Seja em silêncio ou cantando mantras,
depois de um tempo as preocupações
desaparecem e mesmo o principiante
percebe que a mente se acalmou.

Cozinhar também pode ser meditação.

Uma, porque leva tempo, exige paciência e entrega.

Duas, porque se você não põe a mente no que está fazendo
pode queimar a comida, salgar demais, temperar de menos,
entornar o azeite, errar a receita e cometer toda sorte de erros
e distrações, que acabariam em sabe Deus que tragédias!

Três, porque essa combinação de paciência, entrega e atenção
dá margem a micromeditações – enquanto você faz não
pensa, não julga, apenas observa.

Por exemplo, lavando um maço de cebolinha verde. Claro
que sua porção viking poderia cortar de um golpe as raízes,
geralmente com um bom tanto de bulbos junto, descartar
sem mais delongas as folhas meladas e passar tudo debaixo
da torneira sem nem se dar conta do que está fazendo.
Mas que delicadeza trabalhar com as cebolinhas
na água corrente separando os bulbos, puxando
para baixo as folhas murchas e vendo finalmente
a cebolinha aparecer perfeita! Não faz a menor
diferença no gosto da comida, mas estabelece a
prática da contemplação da natureza, o que já é
uma forma de meditação.

Ou seja, faz diferença para você.

Os japoneses têm longa tradição tanto na arte
de meditar quanto na de lidar com vegetais,
produzindo lindos pratos a partir das formas,
cores e texturas que oferecem ao paladar.

Têm também as melhores facas e tábuas, e uma infinidade
de utensílios impensáveis antes e indispensáveis depois –
pequenos raladores para gengibre, descascadores,
peneiras de bambu, colheres, espátulas, pinças, recipientes
para cozinhar no vapor – enfim, a boa loja de produtos
japoneses é a disneilândia da cozinha.

Agora, no tocante a panelas, sejamos Brasil: as de
pedra-sabão, mineiras, são imbatíveis. Feitas de uma
coisa completamente natural, pedra, curada no forno
com outra coisa completamente natural, óleo. Pesadas.
Não pode lavar com detergente porque entranha, só sabão
e esponja. Em compensação, nenhuma outra panela vai
refogar cebolas no azeite com tanta ternura quanto a de
pedra: devagar, cozinhando cada partícula de cebola até
deixá-la doce e transparente, e se continuar fica dourada e
vira manteiga de cebola, uma coisa maravilhosa para passar
no pão. (Não rende, ponha no mínimo dez cebolas.)

Importantíssimo no ritual da cozinha: não perturbá-la
batendo colheres na boca das panelas, fazer tudo
silenciosamente.

A leveza ao pousar a tampa no bule
ensaia a leveza da vida. Mexer uma panela
prestando atenção é igual a desenhar uma
mandala, faz efeito no ser inteiro.

Comida e alma se dão muito bem. Cozinhar pode ser
uma prática tão rica em significados e insights quanto
qualquer outra.

Além de acalmar a mente, como toda meditação
que se preza.
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3 comentários:

  1. Lindo e verdadeiro,Sonia. E eu como amante da cozinha me emocionei com tanta sensibilidade.
    Parabéns por captar o espírito de uma verdadeira cozinheira.
    Bj,
    Lylia

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  2. Oi Sonia, adoraria conversar com você, posso saber o seu e-mail ?

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  3. ~~~
    ~ Gostei da sua forma de meditar, Sónia.

    ~ O livro não está à venda em Portugal?

    ~~~ Dias alegres e felizes. ~~~
    ~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

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